O diretor do Instituto Butantan,
Dimas Tadeu Covas, 63, afirma que é factível o estado de São Paulo iniciar a
vacinação contra o coronavírus em janeiro de 2021. O Butantan, instituição
pública ligada ao governo paulista, fez acordo com a farmacêutica chinesa
Sinovac para testar e produzir em larga escala a vacina. Os ensaios clínicos
acontecem em seis estados e vão envolver 9.000 voluntários em 12 centros de
pesquisa. "Tem muita gente dizendo que é otimismo demais. Isso pode ser
relacionado a outras vacinas, não a essa [chinesa]", diz o médico,
professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP).
Nesta terça (11), a Rússia aprovou a sua vacina e disse que pretende usá-la em
grande escala até outubro. O governo do estado de São Paulo afirmou que não
deve participar da pesquisa ou da produção com os russos. "O instituto
[Butantan] já está totalmente empenhado na pesquisa da CoronaVac, da
farmacêutica Sinovac Biotech", diz a nota. A entrevista de Covas à
reportagem foi feita antes do anúncio russo. O diretor do Butantan acredita que
o estudo chinês é atualmente o mais avançado do mundo. "É a vacina que
pode chegar mais rapidamente ao mercado", afirmou.
A vacina depende de resultados positivos de eficácia e segurança para obter
registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Na China, ela já
está sendo produzida e aguarda autorização de uso emergencial.
PERGUNTA - O sr. prevê o início da
vacinação contra o coronavírus em janeiro de 2021. Não há excesso de otimismo,
já que os ensaios clínicos ainda estão em andamento?
DIMAS COVAS - A vacina da chinesa Sinovac já está em processo de produção.
Chegou muito rapidamente nessa fase porque eles já tinham iniciado o seu
desenvolvimento lá atrás, quando teve a epidemia de Sars [Síndrome Respiratória
Aguda Grave]. A China tem hoje quatro vacinas em fases adiantadas com base
nisso. Com o coronavírus, foi uma adaptação, simplesmente mudou o vírus. Por
isso que ela foi feita em três, quatro meses. É uma vacina que já está pronta,
esperando autorização para uso emergencial. Existem outras sendo usadas
emergencialmente por lá. O Exército chinês já está vacinando. Demonstrada a
segurança, o procedimento [na China, em relação às normas regulatórias] é
diferente.
P - Do ponto de vista prático, quando
teremos a vacina chinesa no Brasil?
DC - Em outubro, teremos 5
milhões, em novembro, 5 milhões e em dezembro mais 5 milhões.
P - Mas para se obter o registro na
Anvisa é preciso concluir os testes clínicos com 9.000 voluntários, comprovar a
eficácia. Isso será possível em um período tão curto?
DC - Então, essa é a grande incógnita. De qualquer maneira, essas 15
milhões de doses estarão produzidas e há uma grande probabilidade de os
resultados esperados aparecerem.
As vacinas já estão sendo produzidas. É uma produção de risco, exatamente para
ganhar tempo antes de sair a demonstração de eficácia.
P - E essa produção está baseada em que
parâmetros de eficácia?
DC - O estudo publicado envolveu 744 pessoas. A indução da imunidade
protetora tanto celular quanto humoral foi acima de 90% nos indivíduos
vacinados. É um perfil muito bom. Não temos esse perfil para a vacina da gripe,
por exemplo, que tem eficácia entre 40% e 50%. Se tivéssemos uma vacina hoje
com eficácia de 30% já seria extremamente útil. Se eu desencadeio 30% de
imunidade protetora na coorte inteira de pessoas, eu coloco esse epidemia lá
para baixo. Eu diminuo o número de casos, de mortes. As pessoas ainda não
compreenderam isso. É um cenário muito grave. E tem gente usando bobagem,
cloroquina, hidroxicloroquina. Se tivesse uma vacina segura, sem efeitos
colaterais, com 30%, 50% de eficácia já seria extremamente útil. Em São Paulo,
90% das pessoas ainda são suscetíveis à infecção.
P - Então, janeiro é um prazo realista
para o início da imunização?
DC - Sim. A forma como o estudo foi desenhado é muito propícia considerando
a atual situação da epidemia no Brasil, a incidência de casos, os profissionais
de saúde expostos. Se a gente terminar a inclusão dos 9.000 até setembro, e
esse é o plano, é grande a probabilidade de termos em outubro ou novembro a
demonstração de eficácia. Paralelamente, existe uma manifestação da Anvisa de
que haverá um processo acelerado de análise. Quando eu falo que podemos ter de
fato uma vacinação inicial em janeiro, ela não é fora da análise crua do
cenário. Tem muita gente dizendo que é otimismo demais. Isso pode ser
relacionado a outras vacinas, não a essa [chinesa]. É uma vacina tradicional, o
Butantan já tem duas outras vacinas com essa tecnologia, a da raiva e da
dengue. Isso desenha um cenário muito favorável. É a vacina mais avançada neste
momento em termos temporais, que pode chegar mais rapidamente ao mercado.
P - Grupos prioritários já foram
definidos no estado de São Paulo?
DC - O Plano Nacional de Imunização ainda não se manifestou sobre isso mas
o perfil será muito assemelhado ao da vacina da gripe, com exceção das
crianças, que não são a população de risco para o coronavírus. Ou seja,
indivíduos idosos, com comprometimento imunológico, comorbidades, muito
expostos, profissionais de saúde, de segurança. Em números, o Brasil tem hoje
30 milhões de idosos. Dessa população, tem a aqueles que já foram ou serão
naturalmente infectados, que estão imunes. Estamos falando, num primeiro
momento, de uma população que não vai passar de 50 milhões. Aí ficaria uma
segunda etapa da vacinação para atingir a imunidade de rebanho, para controlar
definitivamente a circulação do vírus. Para isso, teríamos que ter mais de 95%
de adesão da população.
P - Outro questionamento que vem sendo
feito: haverá seringas suficientes para essa imunização em massa?
DC - A vacina que estamos desenvolvendo junto com a Sinovac já vem
com seringa. Essas 15 milhões iniciais são doses únicas em seringa. De qualquer
forma, o Brasil tem o maior programa de imunização pública do mundo. Não existe
nenhuma dificuldade logística de fazer as vacinas circularem.
P - Já há movimentos de boicote à
vacina contra coronavírus. Também circulam notícias falsas sobre a vacina
chinesa. O sr. teme que isso atrapalhe a imunização?
DC - O movimento antivacina no Brasil ainda é incipiente e não tem
progredido. O que existe aqui é um movimento de desleixo em relação à vacina,
que é um pouco diferente. Foi assim no caso do reaparecimento do sarampo. Quando
lançamos o pré-cadastro da vacina, tivemos em uma semana 1,5 milhão de
inscritos. Esse negócio de falar da China não tem o menor sentido. A Apple está
lá, grandes aparelhos, aplicativos são feitos na China. É uma potência mundial
em termos de ciência e tecnologia. Só quem não conhece a China usa isso como
ideologia para desconsiderar. Eu não temo em absoluto que haja algo
significativo em relação [à vacina chinesa].
P - O estado de São Paulo tem autonomia
para criar planos próprios de imunização. Há chance de o estado fazer a
vacinação contra o coronavírus sem o governo federal?
DC - Essas 15 milhões de doses já estão contratadas. Vou receber nesta
semana a visita do Ministério da Saúde que só agora se dispôs a conversar.
Espero que isso [governo não aderir] não aconteça. Seria muito ruim o estado
trazer 15 milhões de doses para vacinar os paulistas, e as vacinas não estarem
acessíveis ao Brasil. Espero que haja juízo suficiente das autoridades do
governo federal para não ir por esse caminho. Seria um desastre. Não adotar uma
vacina só porque ela é feita pelo estado de São Paulo, porque ela é chinesa. Dimas
Tadeu Covas, 63 Graduado em medicina pela USP, tem mestrado, doutorado e
livre-docência pela USP e é professor titular da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da USP. Médico hematologista, também é diretor-presidente da
Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto. Dirige o Instituto Butantan de São Paulo
desde 2017.
Informações: Cláudia Collucci, da Folhapress
Nenhum comentário:
Postar um comentário