Bolsonaro ignorou orientações dadas por ele mesmo na semana passada, ao estimular e participar neste domingo (15) dos protestos pró-governo sem demonstrar preocupação com a crise do coronavírus
Foto: Marcos Corrêa / PR
A orientação do Ministério da Saúde de evitar
aglomerações como forma de reduzir a transmissão do novo coronavírus vale para
todo mundo, inclusive para o presidente Jair Bolsonaro, afirmou à reportagem
neste domingo (15) o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. "É ilegal?
Não. Mas a orientação é não. E continua sendo não para todo mundo."
Bolsonaro (sem partido) ignorou
orientações dadas por ele mesmo na semana passada, ao estimular e
participar neste domingo (15) dos protestos pró-governo sem demonstrar
preocupação com a crise do coronavírus.
Segundo Mandetta, as pessoas precisam tomar medidas
agora para tentar diminuir os impactos da doença causada pelo novo coronavírus.
"As pessoas olham e falam: 'Ah, mas o metrô está funcionando'. Se todo
mundo continuar fazendo tudo, vai chegar uma hora em que o metrô vai ter que
parar de funcionar", afirma.
"Todo mundo tem que fazer sua parte. Quem não
está em transmissão sustentada hoje, daqui a uma semana pode estar, daqui a
duas vai estar."
Leia abaixo trechos da entrevista do ministro à
reportagem.
O que o sr. achou da participação do presidente no
protesto hoje? Ele cumprimentou todo mundo e fez tudo o que o Ministério da
Saúde diz para não fazer. O sr. falou com ele?
Não é ele, é o Brasil como um todo. O Ministério da
Saúde está na fase primeiro de orientar. Depois a gente recomenda,
principalmente quando são ações relacionadas aos estados. E depois determina. O
Distrito Federal hoje não tem transmissão sustentada. A recomendação [sobre
eventos] foi para São Paulo e Rio de Janeiro, que tinham.
Mas todo mundo tem que fazer sua parte. Quem não
está em transmissão sustentada hoje, daqui a uma semana pode estar, daqui a
duas vai estar. Quanto mais rápido tiver transmissão, maior vai ser a
necessidade de determinação de paralisação. Então eu vejo isso geral, tanto as
pessoas que resolveram fazer É ilegal? Não. Mas a orientação é não. E continua
sendo não para todo mundo.
Mas o presidente descumpriu essa orientação.
Uma orientação. É igual quando eu coloco no cigarro
-o Ministério da Saúde faz o quê? Ele adverte: causa câncer. Mas eu não
determino a proibição. Como quando o médico fala pra você: "Tem que fazer
caminhada, não pode comer gordura".
Você tem as recomendações. Mas não é todo mundo que
segue ao mesmo tempo. No momento é bom todo mundo começar a se organizar.
Igrejas, por exemplo. Já está na hora de pastores se reunirem e falarem: olha,
a maioria das pessoas que vem no culto é idoso [grupo de risco].
Hoje tinha muito idoso nesse protesto também.
Pois é. Não acho certo, não, mas pelo menos é ao ar
livre. Imagina aqueles lugares fechados socados de gente, permanecendo uma
hora, tem culto de duas horas. Também é complicado. Essas pessoas olham e falam
assim: "Ah, mas o metrô está funcionando". Se todo mundo continuar
fazendo tudo, vai chegar uma hora em que o metrô vai ter que parar de
funcionar.
A depressão econômica pode ser muito maior de
acordo com o perfil de como a gente vai agir coletivamente. É uma somatória de
ações individuais. Não tem nada que proíba. Mas está na hora de todo mundo
entrar no mesmo diapasão. Vai continuar esse pessoal fazendo cruzeiro? Faz o
que agora [que há casos de suspeita de coronavírus em um cruzeiro], testa 600
pessoas em Recife?
Hoje o Ministério da Saúde tem recomendado que as
pessoas evitem aglomerações. O presidente incentivou as pessoas a irem a essa
manifestação. Não é um risco à saúde pública?
É o que já te falei. Eu acho que a gente pode
orientar. Vamos todos juntos nos organizar, diminuir aglomeração, etiqueta
social, não respira assim, não tussa assado. Isso vale para a imprensa também,
para todo mundo. Essa semana fizeram reuniões na Câmara. Falei: "Gente,
isso aqui parece o chá da gripe". Tinha 300 pessoas de idade, todas
fechadas naquela CCJ, tinha um senador que tinha viajado [para o exterior],
outro com gripe.
O sr. vai fazer o teste também? O sr. é próximo do
senador Nelsinho [Trad, que testou positivo para o novo coronavírus].
Estou tomando o seguinte cuidado: já me considero
uma pessoa em monitoramento. Estou me automonitorando, como se eu tivesse
viajado num avião e tivesse gente contaminada. Estou evitando Arrumei tudo para
os meus pais e deixei aqui só minha mulher, que é médica. Estou me observando,
se eu tiver sinal de febre, coriza, vou procurar fazer o exame e se confirmar
vou ficar em isolamento. Mas até agora não tenho nenhum sinal.
Teve contato com o senador?
Sim. Mas, quando você tem contato, como num avião,
você é monitorado, você não faz o teste. Fizeram o teste do presidente por
excesso de zelo, porque é o presidente. Mas, se você estiver na poltrona 4 e o
da 3 testar positivo, vamos entrar em contato, orientar e ficar te ligando,
todo dia.
O sr. então não precisa ficar em isolamento, na sua
avaliação?
Não, porque não tive nenhum sinal nem contato
prologado com alguém positivo. Se minha mulher testar positivo, opa, aí me
coloco na condição de provável. O provável acompanha o isolamento, mesmo que
não tenha sintomas. Sigo as orientações da vigilância.
O presidente não colocou em risco a saúde dele
mesmo hoje indo [na manifestação]?
O médico-assistente dele é quem pode te falar. Não
sou médico dele. Mas todo mundo tem que tomar cuidado.
Essa manifestação, por exemplo, as pessoas deveriam
ter evitado ir?
Acho que sim. Acho desnecessário.
O presidente te perguntou sobre isso?
Não. Não há necessidade de me perguntar. Eu
mantenho as orientações do Ministério da Saúde. Ele fez uma coisa contra a lei?
Não.
Mas o próprio governador suspendeu todos os eventos,
aulas isso não contrariou o DF?
É, mas você não tem um evento programado. É a força
da rede social. Se a gente for com esse clima para esse momento de epidemia, é
muito difícil que consiga se organizar. A Itália está 100% paralisada. A França
paralisou e avisou que vai paralisar mais. A China paralisou, o Irã paralisou.
Nova York vai começar a parar.
Poder ir qualquer um pode. Ainda estamos num estado
de livre-arbítrio. Não estamos num estado de exceção. Sigo as orientações do
Ministério da Saúde, de não aglutinar. Falei para minha mãe: a senhora vai ter
que parar de ir na missa. Você acha que ela obedeceu na primeira semana?
Isso não é só o presidente. Sei que para vocês isso
é emblemático. Mas é para o Brasil inteiro. A ficha vai cair devagar, mas vai
cair para todo mundo. Vai chegar uma hora que, se repetir o cenário de fora,
não tem isso de acho ou não acho legal. A coisa vai se impor.
Natália
Cancian (Folhapress)

Nenhum comentário:
Postar um comentário