BRASÍLIA
- Mesmo sendo a maioria da população brasileira, negros (pretos e pardos, na
categoria do IBGE) representaram apenas 24% dos deputados federais
escolhidos pelo voto popular em 2018. Uma consulta em análise pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) pretende mudar esse cenário, com a discussão
sobre a reserva de recursos do Fundo Eleitoral – e de tempo de rádio
e TV – para viabilizar as campanhas de candidatos negros e negras. A verba
pública, que nas eleições municipais deste ano soma R$ 2 bilhões, seria
dividida segundo o critério racial, obedecendo a proporção de candidatos negros
e brancos de cada partido.
O
objetivo é usar o dinheiro do fundo para corrigir distorções históricas e
evitar que os partidos favoreçam políticos brancos. Segundo um estudo da FGV Direito
São Paulo, homens brancos representaram 43,1% de todos os candidatos a deputado
federal nas eleições de 2018, mas concentraram cerca de 58,5% das receitas de
campanha. Por outro lado, as mulheres negras – que somaram 12,9% das
candidaturas à Câmara – ficaram com apenas 6,7% do volume total de recursos.
Elas sofrem dupla discriminação: recebem menos recursos que os homens por serem
mulheres, e menos que as mulheres brancas.
“A
sociedade brasileira é racista, e a estrutura partidária reproduz o racismo. O
interior dos partidos não é necessariamente democrático, e quem está nas mesas
diretoras, no comando das decisões, são homens brancos”, observou o cientista
político Cristiano Rodrigues, da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
Rodrigues
aponta que, na distribuição dos recursos, as siglas tendem a privilegiar os
candidatos que mobilizam mais dinheiro (como empresários) e aqueles que são
provenientes de famílias com forte tradição política. “A população negra está
mais ausente desses espaços.”
Cota
No
caso das mulheres, a legislação eleitoral prevê uma cota mínima de 30% de
candidaturas femininas nas eleições para os cargos de deputados federais,
estaduais e vereadores. No entanto, não há nenhum dispositivo legal que obriga
os partidos a lançarem um número mínimo de candidatos negros. Ao entrar com a
consulta no TSE, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) pediu
que o tribunal estabelecesse uma cota de 30% de candidaturas negras para cada
agremiação. A medida foi rejeitada pelo relator do caso e presidente do TSE,
ministro Luís Roberto Barroso, para quem uma iniciativa nesse sentido
depende de lei a ser aprovada pelo Congresso.
O
ministro, no entanto, acolheu outros pedidos da consulta. Barroso quer que a
“fatia feminina” do Fundo Eleitoral e do tempo de rádio e TV sejam divididos
entre candidatas negras e brancas na exata proporção das candidaturas
apresentadas por cada partido. O mesmo critério deve ser adotado para homens
negros e brancos.
“A
ordem constitucional não apenas rejeita todas as formas de preconceito e
discriminação, mas também impõe ao Estado o dever de atuar positivamente no
combate a esse tipo de desvio e na redução das desigualdades de fato. Há um
dever de integração dos negros em espaços de poder, noção que é potencializada
no caso dos parlamentos. É que a representação de todos os diferentes grupos
sociais no parlamento é essencial para o adequado funcionamento da democracia”,
disse Barroso. O ministro Edson Fachin acompanhou o entendimento do
colega.
O
julgamento, iniciado na última terça-feira, foi interrompido por um pedido de
vista (mais tempo para análise) do ministro Alexandre de Moraes. Moraes
concordou com o entendimento dos colegas sobre o problema do racismo no País,
mas alertou para os riscos de a reserva de recursos e de propaganda eleitoral
para candidatos negros gerar um efeito contrário: a retaliação desses
candidatos pelos próprios partidos.
“Por
não existir um mínimo legal de candidaturas, seja de mulheres negras, seja de
homens negros, em tese, haveria a possibilidade de retaliação partidária, de
não se admitir mais candidaturas. A minha análise é para verificar um mecanismo
para impedir isso (a retaliação)”, comentou Moraes.
Como a
discussão está suspensa por tempo indeterminado, não é possível saber se o
entendimento a ser firmado já valerá para as eleições de novembro. Na atual
legislatura, as mulheres negras representam apenas 2,5% do total de eleitos
na Câmara dos Deputados, enquanto as mulheres brancas são 12,28%, os
homens negros 22,02% e os homens brancos 62,57%, segundo o estudo “Democracia e
representação nas eleições de 2018”. O levantamento apontou que 26% das
candidaturas a deputado federal eram de homens negros, mas esse grupo recebeu
apenas 16,6% do total dos recursos.
“É
mais do que oportuna (a consulta). Se efetivamente quisermos criar políticas
públicas e legislação para fomentar comportamentos antirracistas, precisamos de
representantes negros no Congresso”, disse a professora Luciana Ramos, uma das
coordenadoras do estudo.
Autora
da consulta ao TSE, Benedita opina que a discussão não é sobre privilégios.
“Queremos que o Parlamento espelhe a representação da sociedade”, disse.
Contrária ao uso de dinheiro público por partidos, a deputada Adriana
Ventura (Novo-SP), ressalta que “não adianta garantir vagas por gênero ou
raça se o Fundo Eleitoral é gerido por critérios dos partidos, normalmente obscuros
e injustos”.
Informações:
Estadão
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