Adriano Machado/Reuters
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, anunciou a demissão nesta
sexta-feira (24). O ex-juiz federal deixa a pasta após um ano e quatro meses no
primeiro escalão do governo do presidente Jair
Bolsonaro.
A demissão foi motivada pela decisão de Bolsonaro de trocar o
diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, indicado para o posto pelo agora ex-ministro. A
Polícia Federal é vinculada à pasta da Justiça.
Ao anunciar a demissão, em pronunciamento na manhã desta sexta-feira no
Ministério da Justiça, Moro afirmou que disse para Bolsonaro que não se opunha
à troca de comando na PF, desde que o presidente lhe apresentasse uma razão
para isso.
"Presidente, eu não tenho nenhum problema em troca do diretor, mas
eu preciso de uma causa, [como, por exemplo], um erro grave", disse Moro.
Moro disse ainda que o problema não é a troca em si, mas o motivo pelo
qual Bolsonaro tomou a atitude. Segundo o agora ex-ministro, Bolsonaro quer
"colher" informações dentro da PF, como relatórios de inteligência.
"O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele
queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele
pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência,
seja diretor, seja superintendente. E realmente não é o papel da Polícia
Federal prestar esse tipo de informação", declarou.
Moro fez uma comparação da situação com o período em que conduziu os
processos da Operação Lava Jato como juiz: "Imaginem se durante a própria
Lava Jato, ministro, diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, o
ex-presidente, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher
informações sobre as investigações em andamento?", questionou.
Segundo Moro, a autonomia da Polícia Federal "é um valor
fundamental que temos que preservar dentro de um estado de direito”.
De acordo com o relato de Moro, ele disse a Bolsonaro que a troca de
comando na PF seria uma interferência política na corporação. Ele afirmou que o
presidente admitiu isso.
"Falei para o presidente que seria uma interferência política. Ele
disse que seria mesmo", revelou Moro.
O agora ex-ministro contou que Bolsonaro vem tentando trocar o comando
da PF desde o ano passado.
"A partir do segundo semestre [de 2019] passou a haver uma
insistência do presidente na troca do comando da PF."
Moro afirmou que sai do ministério para preservar a própria biografia e
para não contradizer o compromisso que assumiu com Bolsonaro: de que o governo
seria firme no combate à corrupção.
"Tenho que preservar minha biografia, mas acima de tudo tenho que
preservar o compromisso com o presidente de que seríamos firmes no combate à
corrupção, a autonomia da PF contra interferências políticas", declarou.
'Não assinei exoneração'
Moro afirmou ainda que ao contrário do que aparece no "Diário
Oficial", ele não assinou a exoneração de Valeixo, nem o diretor-geral da
PF pediu para sair.
Na publicação, consta a assinatura do então ministro e a informação de
que Valeixo saiu "a pedido".
"Eu não assinei esse decreto e em nenhum momento o diretor da PF
apresentou um pedido oficial de exoneração", disse.
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'Foi prometida carta branca', diz Sérgio Moro.
'Carta branca'
Moro também disse que, quando foi convidado por Bolsonaro para o
ministério, o presidente lhe deu "carta-branca" para nomear quem
quisesse, inclusive para o comando da Polícia Federal.
"Foi me prometido na ocasião carta branca para nomear todos os
assessores, inclusive nos órgãos judiciais, como a Polícia Rodoviária Federal e
Polícia Federal", afirmou o agora ex-ministro.
No anúncio, Moro chegou a se emocionar e a ficar com a voz embargada.
Foi quando ele disse que havia pedido ao presidente uma única condição para
assumir cargo: que sua família ganhasse uma pensão caso algo de grave lhe
acontecesse no exercício da função.
"Tem uma única condição que coloquei. Eu não ia revelar, mas agora
isso não faz sentido. Eu disse que, como estava saindo da magistratura,
contribuí durante 22 anos, pedi que, se algo me acontecesse, que minha família
não ficasse desamparada", disse Moro.
Demissão do diretor da PF
Moro foi surpreendido com a publicação da
exoneração de Valeixo nesta sexta-feira. Fontes
ligadas ao ministro disseram que ele não assinou a exoneração, apesar de o nome
dele constar, ao lado do nome de Bolsonaro, no ato que oficializou a saída de
Valeixo.
Moro foi anunciado como ministro de Bolsonaro em novembro de 2018, logo
após a eleição presidencial. O magistrado ganhou notoriedade como juiz de
processos da Operação Lava Jato, entre os quais o que condenou o
ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá.
Na oportunidade, Bolsonaro garantiu autonomia a Moro na escolha de
cargos de segundo e terceiro escalão. O ministro teria “carta branca” no
combate à corrupção.
"Conversamos por uns 40 minutos e ele [Moro] expôs o que pretende
fazer caso seja ministro e eu concordei com 100% do que ele propôs. Ele queria
uma liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado, e um
ministério com poderes para tal", declarou Bolsonaro à época.
"É um ministério importante e, inclusive, ficou bem claro em
conversa entre nós que qualquer pessoa que porventura apareça nos noticiários
policiais vai ser investigada e não vai sofrer qualquer interferência por parte
da minha pessoa", acrescentou Bolsonaro.
Interferências
Após o início do governo, Moro e Bolsonaro tiveram uma relação marcada
por episódios de interferência do presidente no ministério. Bolsonaro chegou a
dizer que tinha poder de veto nas pastas, pois “quem manda” no governo é ele.
Um dos episódios de interferência ocorreu em fevereiro de 2018, quando
Moro, após reclamação de Bolsonaro, revogou a nomeação de Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Cientista política, mestra em estudos de conflito e paz pela
Universidade de Uppsala (Suécia) e fundadora do Instituto Igarapé, Ilona Szabó
atuou na ONG Viva Rio e foi uma das coordenadoras da campanha nacional de
desarmamento.
Bolsonaro é a favor de facilitar o acesso da população a armas e ignorou
sugestões feitas pelo ministro da Justiça para o decreto das armas.
Valeixo
A situação da PF também abalou a relação entre Bolsonaro e Moro. O
presidente pretendia desde o ano passado tirar Valeixo do comando do órgão.
Delegado de carreira, Valeixo foi superintendente da PF no Paraná e
atuou na Lava Jato. A experiência o fez ser escolhido por Moro para chefiar a
PF.
A liberdade que Moro teve para escolher Valeixo e superintendentes
regionais da PF foi minada aos poucos. Em agosto de 2018, sem o conhecimento da
cúpula da Polícia Federal, Bolsonaro anunciou
a troca do superintendente do Rio de Janeiro.
A fala gerou ameaça de entrega de cargos na PF. A troca na
superintendência ocorreu, mas Moro e Valeixo continuaram nas suas funções.
Coaf
A relação entre ministro e presidente também foi abalada, segundo o
jornal "O Globo", pelo fato de Moro ter pedido ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a revisão de uma decisão que
restringiu o compartilhamento de relatórios do Coaf com os ministérios públicos e a Polícia Federal.
O movimento do ministro irritou o presidente Jair Bolsonaro, pois a
liminar atendia a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.
Um relatório do Coaf apontou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz,
ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A
defesa argumentou que dados dessas movimentações foram repassados ao Ministério
Público sem a autorização judicial.
No caso do Coaf, a transferência do órgão para o Banco Central levou à
queda de um dos principais aliados de Moro na Lava Jato, o auditor Roberto
Leonel, demitido do comando da estrutura.
Coronavírus
Com a pandemia do novo coronavírus, Moro e Bolsonaro deram outros sinais de descompasso.
Moro defendeu em falas públicas o isolamento como forma de tentar conter
o contágio, mais alinhado ao que dizia o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Bolsonaro, por sua vez, fala em isolar somente idosos e pessoas com
doenças crônicas. Ele prega a volta do comércio, a retomada das aulas e
reabertura de fronteiras com Uruguai e Paraguai.
Supremo
Visto por analistas políticos como um possível postulante ao Planalto em
2022, desde a escolha para chefia a pasta da Justiça, Moro figurou como um
possível indicado por Bolsonaro para as duas vagas no STF que serão abertas com
as aposentadorias dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
Bolsonaro costumava elogiar o perfil de Moro, mas também declarou o
desejo de indicar um ministro "terrivelmente evangélico" para a
Corte.
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