3 de junho de 2019

Surto de Doenças de Chagas em Pernambuco pode ser considerado o maior do Brasil


O  surto de Doença de Chagas aguda que está sendo investigado na cidade de Ibirimim, no Sertão de Pernambuco, é o primeiro caso de surto da doença na fase aguda já registrado no estado e está sendo considerado o maior do gênero que já aconteceu no Brasil. Até então, 20 casos foram confirmados em laboratório e outros cinco por meio de análise clínica e epidemiológica. Estima-se, contudo, que o número de infectados pelo protozoário Tripanossoma cruzi possa ser bem maior. Outras 52 pessoas, que também estiveram no evento religioso onde aconteceu a contaminação, passarão por exames e serão acompanhadas. Dos oito pacientes que estavam internados no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), dois receberam alta ontem. 

Por enquanto, ainda não se sabe o que pode ter causado a doença. Desde que o primeiro paciente deu entrada em uma unidade de saúde com sintomas, no dia 20 de maio, o Estado começou uma verdadeira cruzada para montar o quebra-cabeça e traçar o diagnóstico dos pacientes. Primeiro, a desconfiança era de arboviroses. Em seguida, de febre tifoide. Logo depois, de malária. “Os sintomas das doenças infecciosas são comuns entre eles, febre, dor e manchas no corpo. O diferencial dessas pessoas era o tempo de febre, que começou a se prolongar, chegando até a 20 dias”, explicou o chefe do serviço de infectologia do Huoc, Demetrius Montenegro. 

Os pacientes que precisaram ser internados apresentaram também edemas na face, dores na boca do estômago, inchaço nas pernas e nos olhos e dores articulares. “Eles tinham febre que começava na tarde e se estendia até a madrugada. Alguns melhoravam e depois pioravam”, acrescentou Demetrius Montenegro. Um dos internados chegou a apresentar alterações cardíacas, uma das características da Doença de Chagas, o que ajudou a fechar o diagnóstico. “O que mais chama atenção é a quantidade de pessoas envolvidas e contaminadas. Um surto semelhante aconteceu na Bahia com 13 casos sintomáticos, dos quais quatro tiveram confirmação por exame. Nós, dos 25 casos, já temos 20 com confirmação da presença do parasita no exame”, disse Demetrius. 

Os pacientes internados no Huoc têm, em média, 25 anos. Eles iniciaram o tratamento com o medicamento Benzonidazol. Tanto eles quanto todos os participantes do evento religioso onde aconteceu a contaminação precisarão ser acompanhados por anos. “O diagnóstico na fase aguda é bom porque a possibilidade de cura é bem maior, em comparação aos pacientes crônicos. Quanto mais jovem é o paciente, melhor a resposta ao tratamento”, afirmou o cardiologista Wilson de Oliveira Junior, fundador e chefe da Casa de Chagas. Entre as pessoas que possivelmente foram contaminadas, estão uma criança de 10 anos e uma grávida, que passará por tratamento diferenciado para evitar a transmissão ao bebê. 

A principal suspeita, por enquanto, é que a transmissão da Doença de Chagas tenha ocorrido por via oral, por meio da ingestão de algum alimento. A Secretaria Estadual de Saúde (SS) iniciou a busca ativa para realizar as análises de amostras das 77 pessoas que estiveram no evento religioso, realizado durante a Semana Santa. Além disso, está fazendo a busca pela presença do vetor, o inseto conhecido como barbeiro, nas redondezas da escola onde o grupo ficou hospedado, em Ibimirim. Entre as pessoas, estão moradores de vários municípios, incluindo Recife, Camaragibe e até Conde, na Paraíba.  

“Uma equipe da secretaria está em Ibimirim realizando uma avaliação vetorial nas regiões próximas ao local de provável infecção, buscando a presença do inseto. Estamos investigando também o que foi oferecido de alimento durante o evento. A dificuldade é que muitas pessoas já não lembram”, disse o diretor-geral de Controle de Doenças Transmissíveis da SES, George Dimech. 

Em Pernambuco, existem 2 mil pessoas com a doença, em estágio crônico, acompanhadas. Por mês, cerca de 10 novos pacientes, que convivem sem saber com a enfermidade, são diagnosticados. A doença cardíaca é a principal complicação da Doença de Chagas na fase crônica, sendo a terceira causa de indicação de transplante no Brasil. A doença não é erradicada no país, mas controlada.  

Entrevista 
O surto em investigação em Pernambuco começou depois que um grupo de pessoas que havia participado de uma ação missionária religiosa na cidade de Ibimirim apresentou dores no corpo e febre. Um eletricista e promotor de vendas autônomo, de 39 anos, e a esposa dele, de 33, foram os primeiros pacientes a darem entrada no Huoc com os sintomas. 

Em entrevista ao Diario, ele contou detalhes do que a família sentiu. 
Como foi esse evento que vocês participaram? Somos de uma igreja e a gente se reúne com pessoas de outras igrejas para levar mantimentos e fazer cultos em diversos municípios. No carnaval, havíamos ido para Bodocó e na Semana Santa era Ibimirim. A alimentação quem faz é a gente mesmo, foi levado boa parte daqui. A outra parte, como algumas frutas e verduras, foram compradas na cidade. Chegamos na quinta-feira e retornamos no domingo. A nossa única suspeita era até o momento uma água, porque havia um bebedouro na escola que estava com uma água de gosto estranho. Estava com fezes de animais e limpamos (a SES afirmou, entretanto, que outros pacientes sintomáticos não beberam da mesma água, de forma que essa possibilidade é reduzida).  

Quando vocês começaram a apresentar os sintomas? 
Eu tive os primeiros sintomas a partir do dia 3 de maio e fui internado na sexta-feira seguinte, à noite. Foi quando eu não aguentei as dores do corpo. Eu estava com a minha esposa, socorrendo ela, que também já estava sentindo os sintomas.  

O que vocês estavam sentindo? 
A gente estava sentindo febre, que não cessava. Cheguei a ter 39 graus, quase 40. Ela também. E sentimos também muita dor no estômago, uma dor insuportável. Minha esposa já não andava mais quando chegamos ao hospital.  

Como vocês estão se sentindo hoje? 
Comecei o tratamento com o remédio para Chagas há três dias. Estou bem, já não tenho febre e as dores cessaram. Praticamente, estamos com a vida normal. Eu fiz o exame cardiológico e tinha uma pequena inflamação na pele do coração, mas o médico disse que não era nada grave. A minha esposa já foi um pouco diferente, ela teve uma alteração bem pequena, e o médico disse para observar mais ela. 


Informações do Diário de Pernambuco

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